SOFALA
Quem visita hoje a Praia Nova não acredita que, há trinta anos, ali circularam canoas e pescadores. Era menino e naquelas águas andei remando, deambulando por riachos cercados de árvores altas de mangal branco. Eu era pequeno, o mundo era grande. As marés eram o nosso relógio. Erguiam-se com tal convicção que o mar parecia ter apetites de devorar a cidade.
Visito hoje a mesma praia, no litoral da Beira, e interrogo-me se foi mesmo ali que me inventei ser marinheiro. Porque hoje se instalou ali um mercado informal e não há vestígio dos cenários das minhas aventuras.
A canoa afundou-se no tempo, as árvores evaporaram-se e onde havia um espaço a perder de vista, hoje tudo é pequeno, cobertura de ruas, barracas e um formigueiro de gente. Não me ocorre nostalgia. Os lugares nascem e renascem. Não existe morte, não há razão para haver luto. Como se emergisse desse outro tempo, uma garça branca levanta voo e cruza a minha lembrança.
IN "Pensageiro Frequente", Mia Couto, 2010, Caminho (outras margens)
Fotos Google Imagens