19 de dezembro de 2010

A Tia Natal


Os dias corriam frios e húmidos lá na aldeia, fazendo jus à tradição dos meses de Dezembro, já há muito esquecido o verão de S. Martinho. Parecia que até a natureza partilhava o sentimento de muitas famílias do povoado, nesta época natalícia que, nesse ano, prometia consoadas amargas.

Até as minas de volfrâmio, único recurso nos tempos recentes de penúria, apesar da dureza das horas que impunham aos mineiros improváveis, tinham deixado saudades: também elas haviam cedido à crise que, impiedosamente, se instalara, atirando os homens da terra para uma servidão ainda maior, a de uma vida de extrema privação!

Há muito que os parcos proventos arrancados da horta, de tão intensamente utilizados, se haviam esgotado. Algumas couves e feijões, mais os restos de broa da última fornada esticavam-se, dentro da panela, na dura missão de iludir os estômagos das crianças, de rostos magros e pálidos, também do frio, sem dúvida mas, em especial, da falta do sustento mínimo para o seu débil crescimento.

Não, não era de prendinhas que se povoavam os sonhos desses inocentes: era pão, sim, o que mais queriam! No ano anterior, os irmãos mais velhos, demasiado novos ainda, felizmente, para temer uma chamada à guerra que ainda não terminara, já tinham conseguido trazer para o lar alguma ajuda, retribuição do seu trabalho nas obras.

Ainda mal terminados os estudos elementares, já carregavam baldes de massa na construção civil, à procura de alguns tostões, poucos mas, de tão necessários, verdadeira fortuna para o sustento da casa. Porém, as poucas que ainda não tinham parado por falta de financiamento, sofriam constantes interrupções por força do rigoroso inverno que, bem cedo, se fizera sentir e, assim, também deles deixara de vir qualquer ajuda.

Sentado junto à lareira, o pai olhava pela porta de casa, bem ao longe, no horizonte, tentando descortinar alguma luz para esse dia tão triste, quiçá alguma ideia que pudesse ajudar a inverter o passo a estes tempos tão difíceis. As duas meninas mais novas, incansáveis, apesar da tenra idade, cirandavam com a mãe na lida da casa, a fazer de conta que a vida corria normalmente, depois de desistirem da ideia de ir pelas portas pedir alguma ajuda caridosa. Bem viva estava, ainda, nas suas cabecinhas generosas, a reacção de desgosto e vergonha com que as tinham recebido, outro dia, quando se tinham atrevido a tão temerária diligência pela vizinhança!

A velha arca na cozinha, quase todos os anos reserva de alguma carne e enchidos da matança do porco – e que festa que era, antigamente, quando se conseguia comprar animais para criar e, com eles, garantir algum alimento para dias assim – também ela há muito se havia esgotado! Nesse ano, só à lareira restava ainda alguma vida, à custa da lenha e das pinhas apanhadas e bem guardadas antes de chegarem os dias chuvosos. Mais logo, à noitinha quando, em tantas casas abastadas, iguarias e prendas iriam ajudar a unir os corações na celebração do nascimento do Menino, restar-lhes-ia chamar o sono ouvindo os trinados da viola a acompanhar a voz entaramelada do velho pai, talvez aquecendo-se com uma cevada bem quentinha, sem açúcar, é claro, mas com sabor a bacalhau com batatas e couve portuguesa, como se fosse!

Totalmente mergulhado nesse olhar distante e vazio, o pai nem se apercebeu da chegada de sua irmã mais velha, felizmente melhor na vida, fruto do que conseguia no amanho das terras vastas que possuía. Ela e o marido, com a ajuda dos filhos, conseguiam compor as arcas e, dessa forma, compensar as carências de distribuição que a guerra provocara. Conhecendo a grave situação dos sobrinhos, devida à inactividade forçada de quem sustentava a família, puseram-se a caminho e, com toda a generosidade e o carinho e amor familiar que os unia trouxeram, de tudo o que tinham, um pouco para dividir com eles e, assim, dar algum brilho àqueles olhos até então fonte apenas de lágrimas amargas: broa fresquinha, sacos de farinha de milho e feijão para a sopa, batatas, hortaliças várias e o saudoso bacalhau para a consoada, até algumas rabanadas, arroz doce e aletria já prontinhos, enfim, o suficiente para uma mesa bem composta na ceia dessa noite.

Qual cereja no topo do bolo, os tios até tinham conseguido comprar alguns brinquedos na feira semanal da terra vizinha, que iriam justificar o ritual dos sapatinhos ao lado da lareira, sob a chaminé e a correria matinal dos mais novos na mira da surpresa, sempre tão alegremente celebrada, independentemente do valor dos brinquedos – seria outra festa na manhã do dia de Natal que, para já, desconheciam!

A “Tia Natal” chegara bem a tempo! Pelo menos nessa noite, não iriam apenas fazer de conta: no seu lar, agora inundado de sorrisos, iria ser possível celebrar com a mesma alegria de sempre, o nascimento do Menino Jesus. Afinal, já era NATAL!

Foto: Google Imagens

10 de dezembro de 2010

Um sentido Adeus

Numa das minhas habituais visitas ao Blogue "DE PROFUNDIS", descobri um texto que gostei imenso de ler e, com a devida vénia à autora do blogue e sua prévia autorização, vou hoje partilhar com os meus amigos.
Espero que gostem pelo menos tanto como eu.
As fotos foram escolhidas por mim no Google Imagens.



"Fez hoje uma semana que ela morreu e eu continuo sem conseguir encontrar as palavras. Lido mal com a morte, ela rouba-me a voz e deixa-me num silêncio negro e vazio... E contudo, queria ser capaz de me despedir, de lhe dizer todas as coisas que nunca lhe disse, embora acredite que ela as soubesse. Queria encontrá-la amanhã ou depois, sentada à mesa do café, na mesma cadeira de sempre, na solidão dos seus dias infinitamente iguais, lendo ou bordando, lanchando a torrada e a meia de leite sempre à mesma hora, sempre à mesma temperatura... Queria poder sentar-me junto dela, como tantas vezes fiz, conversando sobre o tempo e os livros, sobre as pernas que não lhe obedeciam, sobre as análises ao sangue e o exame ao coração, enfiando as agulhas com linha preta e vermelha e branca, com que ela pacientemente bordava a ponto de cruz os polvos, os barcos, os peixes, em toalhas e em panos que depois me oferecia, só porque sim. Queria contar-lhe que guardo os livros que ela me deu nas estantes do coração, a segunda edição das obras completas do Camilo Castelo Branco que tem aquele odor maravilhoso dos livros antigos agarrado às páginas amarelecidas pelos anos e os cantos das folhas dobrados pelos dedos de todos os leitores apaixonados... Queria confessar-lhe que guardo na carteira, junto dos cartões de crédito, as pajelas dos santos que me ofereceu com carinho para que me protegessem do cansaço e da doença... Queria abraçá-la, sentir o cheiro a lavanda do perfume que usava, e dizer-lhe que tenho saudades... Do sorriso, muitas... E da alma linda que ela tinha. Queria que ela soubesse que nunca a esquecerei...


Por tudo isto lido tão mal com a morte... Ela rouba-nos os que amamos, definitivamente, e deixa lugares vazios no coração que vão ficando mais frios à medida que percebemos que afinal não tivemos tempo, nem encontrámos nunca as palavras certas, ou as possíveis, para dizer Adeus.”

Publicada por “DE PROFUNDIS”  (http://wwwdeprofundis.blogspot.com/) em 22 de Novembro de 2010

5 de dezembro de 2010

despertares


Em cada aurora,
Desperto de sonhos,
Sem medos, renascido,
De ti, meu amor,
Canto a beleza…

Por ti,
Desperta a vida!

Dos meus "Versos de Cor
Foto: Google Imagens