18 de dezembro de 2012

FESTAS FELIZES!



Desejo a todos os amigos um Santo Natal e um Feliz Ano de 2013!

Tenho estado ausente do vosso convívio, mantendo-me em contacto com alguns através do Facebook. enquanto preparo a edição do meu primeiro livro.

De facto, espero que, dentro de pouco tempo possam, se o pretenderem, adquirir um exemplar de “Amanhecer pelo fim da tarde…” – assim se irá chamar. Informá-los-ei a todos, aqui e no Facebook, esperando a vossa adesão.

Até lá, as minhas saudações amigas a todos!





9 de setembro de 2012

Delírios



Em teu colo fiquei preso
Beijando, uma a uma, as flores
O aconchegando e, as folhas,
Verde promessa de amores
Dos quais quisera, donzela,
Ser, dentre todos, senhor,
Em negro fundo, qual tela,
Abrigaram meu ardor!

Bem juntinhos nossos corpos
Sonhando, dancei contigo,
De vida, dança singela;
Mas, despertei sem abrigo,
Ao dia faltando cores
E, de tal noite, a alegria,
De tua pele os odores,
Teus olhos, luz fugidia.

A noite ao romper do dia
E o luar minha candeia,
Nos jardins, da primavera,
O sol que a ti incendeia
E o canto das andorinhas
Espreitando a tua janela
Entoavam trovas minhas,
Rimas de amor, flor tão bela!

Vidas vivas as palavras
De rascunhos iludidos,
Traços, gritos e gemidos
De prazer, louca paixão,
No aconchego da emoção
Do mais lindo e terno abraço
Que ao despertar rouba espaço
E aos corpos ganha os sentidos!

Joaquim do Carmo
in"Amanhecer pelo fim da tarde"

Foto “Indefinit reflexions of me” de Ju Oliveira (Joana Carmo)
in http://olhares.sapo.pt/indefinit-reflexions-of-me-foto1679554.html

21 de agosto de 2012

Depressa é... algum tempo!



De novo às voltas com o “problema” tempo, sou levado a pensar que a solução estará tão dentro, tão dentro que, por mais que queira, não a vislumbro! Ou antes, tão à vista, tão ali ao pé, tão a jeito de quem queira, efectivamente, resolver que é possível que a chave esteja “aí”, no… “querer”!

Que o conceito de tempo leva “tempo” a discutir, parece-me evidente; que tudo se complica se, ao tentar compreender este, aparecem outros – por exemplo o de posse: “ter” / “agarrar”… – também e não estaremos senão a tentar “explicar” o momento, pressupondo que, pelo menos metodologicamente, tal abordagem “toca” algo compreensível…

“Tocá-lo”, “agarrá-lo”… será desafio talvez mais aliciante que tentar “compreendê-lo”… mesmo arriscando “perdê-lo”… de vez! “Tê-lo” presente, no presente porém, ininterruptamente, passando…

… depressa? Devagar?… Sem dúvida, o “seu”… (do tempo, obviamente!)

… (pausa para “ganhar tempo”!?)

Sem que alguma vez me tenha faltado “tempo” …

(ou será… assunto?!)

… para trocar estas ideias, resolvi partilhar a convicção de que, da interacção de pensares distintos, ainda que “só por instantes”, podem nascer outro tempo, outros instantes, quiçá novos porque sempre renovados, na vida que com os mesmos se vai preenchendo, apesar da apressada correria dos dias! E a quase certeza de que depressa, é… “apenas” algum tempo… ganho, ou perdido ou… (FIM?…)

Foto “Live” de Gui Oliveira in http://olhares.sapo.pt/live-foto1401432.html

5 de agosto de 2012

Estou



Estou, invariavelmente, a começar a escrever uma “nova página”! Cada dia…

Cada dia, novos velhos mundos se inventam vidas, anseios e esperanças à compita, palavras se baloiçando à espera da tinta que as eternize, ou mate, ou faça renascer! Ou, simplesmente, irreversivelmente, se tornem passado, esse já não ou nunca mais, esse irremediável, trágico ou cómico, porque definitivamente “encerrado”!…

Estou sempre a acabar de escrever uma “nova página”! Cada dia…

Estou, em cada dia, a reinventar-me, irremediavelmente, ao escrever uma nova “página”!

Estou…

Joaquim do Carmo
in "Amanhecer pelo fim da tarde"

Foto : “Composição”, do autor, in olhares (http://olhares.sapo.pt/composicao-foto4180972.html)

16 de julho de 2012

Mar... Amar...



Sobre a imensidão
Desse mar…
Nos olhamos!

Por entre os lamentos
Desse mar…
Nos ouvimos!

Com o gosto a sal
Desse mar…
Nos beijamos!

Imitando as ondas
Desse mar…
Nos amamos!

Desse mar
Neste amar…
A vida nos damos!

Joaquim do Carmo
in "Amanhecer pelo fim da tarde"

Foto “Sea of Lights”, da Joana Carmo (http://olhares.sapo.pt/sea-of-lights-foto1686506.html)

29 de maio de 2012

Dói o silêncio que resta




Passeavas em meu peito
qual princesa
de um reino sonhado,
vivo e cativante!
Cada aurora no meu sonho,
sorridente, tu cantavas
e, em meus dias,
tais momentos eram hinos
de prazer infindo!

Onde te escondes agora,
por que ocasos te prendeste
e, distante, me fugiste…
que não te vejo mais?

Dos matinais sons primaveris,
só a saudade… triste…
- Dói o silêncio que resta!

Joaquim do Carmo
in"Amanhecer pelo fim da tarde"

Foto de um quadro de Vincent Van Gogh

23 de maio de 2012

Era uma vez... na tarde



Distraída, a tarde esquecera-se do tempo, extasiada na contemplação do astro-rei incandescente, viajante solitário pelo azul cintilante do céu, quase tudo luz, quase tudo brilho, quase, porque as sombras das árvores, dispersas qual baralho de cartas abandonado aos caprichos do vento norte em pleno estio disfarçavam, em segredo, a canícula tão esperada como sufocante, ansiosa do sossego refrescante das fontes!
Lentamente, as cigarras penduravam seus gritos estridentes nos últimos raios solares, já menos abrasadores, repousando na promessa de renovados ardores, cedendo o espaço à saltitante algazarra dos passarinhos espreitando, por entre os folhedos, os despojos que os humanos deixaram pelo chão escaldado e sedento, no rescaldo da espera por um pouco de humidade.
Lá no alto, indiferentes à azáfama do recolher, as gaivotas passeavam-se, altivas, do mar para terra ou da terra para o mar, perscrutando as dunas, ao sabor dos ventos, entretanto mais suaves, indecisas entre o gosto do sal e a doçura das lagoas, mas atentas ao mais pequeno sinal, entre a espuma das ondas, para mergulhos picados, qual caçador treinado, paciente e certeiro.
Era o último fôlego para os viajantes do dia, incerto nos seus últimos minutos, sacudido pela brisa, refrescante, agora instalada para alegria dos seres amantes da acalmia: a seguir, outros haveriam de iniciar suas investidas neste universo plural, descansando por aqui até à volta das horas matutinas, anúncio de renovada esperança em lento despertar.
No firmamento aparecia a estrela da tarde, piscando o olho à lua, em crescendo, jogando às escondidas com a luz do poente, alaranjada e serena, cedendo o caminho, cansada, a novos passageiros celestiais: outras vidas, outras crenças, outras luzes, outros cantos… a calma da noite rompendo do espaço, tão imponente como o dia se instalando agora, por outras paragens, senhora dos silêncios reconfortantes, colo para os coaxares refrescantes no leito dos pântanos ou margens das lagoas: as rãs estavam lá, bem perto da tarde esquecida, lembrando-lhe o seu fim, condição de perenidade.
A tarde cedera, enfim, à lei do tempo e, reconfortada pela promessa de breve amanhecer, agora desperta, acomodava-se entre as esteiras da calma, suave, revigorante, promissora!
Pé ante pé, chegara a noite!
____________
Foto “Pôr-do Sol em Braga, da Ju (http://olhares.sapo.pt/por-do-sol-em-braga-foto1539322.html)

15 de maio de 2012

Acordar



Teu sorriso de princesa
Passou a noite comigo:
Nos sonhos, foi chama acesa,
Ao acordar, meu castigo!

Joaquim do Carmo
in"Amanhecer pelo fim da tarde"

Foto: “Hint of a smile”, da Joana (http://olhares.sapo.pt/hint-of-a-smile-foto3450963.html)

5 de maio de 2012

Pelas ruas das cidades...



No firmamento, as estrelas desafiavam a realidade! A cada esquina, como estátuas gélidas e permanentes, mendigos disputavam, impacientes, algum abrigo para mais uma noite à margem da vida. Mais adiante, não menos à margem, de mais vidas se disfarçavam outras esquinas, semelhando-se inteiras, intensas, verdade, na mentira de entregas sonhadas ou iludidas.

No firmamento, as estrelas, por vezes, pareciam cair e, velozes, mudavam-se, apagavam-se ali para brilhar mais além! No seu movimento, assustado e assustador, levavam escondidos sonhos e anseios de olhares vazios de esperança, descrentes de qualquer eternidade.

Pelas ruas, entre esquinas esquecidas, despojadas, resistentes, as estrelas eram sempre cadentes e, mesmo mudando-se, pressentiam cada vez mais distante e apagada a hipótese de algum brilho!

Pelas ruas da cidade, a realidade desmentia o firmamento, cruelmente… tristemente!

Joaquim do Carmo
in"Amanhecer pelo fim da tarde"

Foto “Lights in the Moon Road”, da Ju (http://olhares.sapo.pt/lights-in-the-moon-road-foto1593169.html)

16 de abril de 2012

Que importam os jardins, as lindas flores...



Que importam os jardins, as lindas flores,
As leves aves voando no céu?
Que importa o Sol, a lua e as estrelas,
Se, de beleza, me enche o encanto teu?

Que importam rios, as fontes, os montes,
Tudo o que a terra, de graça, nos deu,
Os frutos doces, os peixes dos mares,
Se tu, inteira, és todo o enlevo meu?

Tu és para mim mais do que flor ou ave,
Mais do que o Sol, a Lua e as estrelas,
Bem mais que o belo azul do imenso céu,

Mais que em palavras, nestes versos, cabe,
Tanto mais digam, mais que sejam belas:
Tu és jóia viva que a vida me deu!

Joaquim do Carmo
in"Amanhecer pelo fim da tarde"

Foto: Reprodução de quadro de Salvador Dali

31 de março de 2012

Estrela mensageira



Canta, meu coração,

Canta sem fim!

Livre, espalha

Nas asas do vento

Suave

A voz que gritas em mim:

Vem estrelinha, vem,

Sê mensageira,

Leva ao meu bem,

Numa carícia,

Num beijo doce,

Palpitante,

Toda a força que tem

O meu amor,

Mesmo distante,

Feliz, porém,

De achar um ninho,

De sentir, bem vivos,

Ternura e carinho,

Todo o calor

Que meu ser mendiga!

Estende tua mão brilhante

E, generosa,

Toma meu peito,

Sacrário de amor feito:

Pousa-o na rosa

Mais bela, a Formosa

Musa de meus versos

E… enlaça nossos braços!

Joaquim do Carmo

21 de março de 2012

Canto primaveril



Sobre o azul do céu,
Ainda vacilante
Nasce o sol, desperto,
Em seu trono brilhante.

No verde escondido
Pintalga de estrelas,
Pontos fluorescentes,
A minha janela.

Bem seguro ao bico
De andorinha amiga,
Alegre e saltitante,
P’los ramos das árvores

Canta-me ao ouvido,
Como se em segredo,
Em versos de luz:
Vem, é Primavera!

Joaquim do Carmo
Foto: Google Imagens

19 de março de 2012

Pai Amor Saudade



Cedo demais, Pai,
Nos morreste!
Cedo demais, amigo,
Nos deixaste!
Cedo demais…

Pai, amigo, companheiro
Te perdemos!
E à tua luz, nosso farol,
Tua palavra certa, sempre atenta,
Tua mão segura e carinhosa!

Amor presença,
Amor cuidado,
Amor ternura,
Amor verdade,
Amor…
… saudade:
Do teu olhar, Pai,
Do teu sorriso, Amigo,
Do teu amor, Companheiro!
Da tua Vida, Pai… saudade!

Joaquim do Carmo

Foto da Rita (http://olhares.sapo.pt/foto1958339.html)

9 de março de 2012

Algumas reflexões sobre a Mulher – Eugénio de Andrade



Elas são as mães:
rompem do inferno, furam a treva,
arrastando
os seus mantos na poeira das estrelas.

Animais sonâmbulos,
dormem nos rios, na raiz do pão.

Na vulva sombria
é onde fazem o lume:
ali têm casa.
Em segredo, escondem
o latir lancinante dos seus cães.

Nos olhos, o relâmpago
negro do frio.

Longamente bebem
o silencio
nas próprias mãos.

O olhar
desafia as aves:
o seu voo é mais fundo.

Sobre si se debruçam
a escutar
os passos do crepúsculo.

Despem-se ao espelho
para entrarem
nas águas da sombra.

É quando dançam que todos os caminhos
levam ao mar.

São elas que fabricam o mel,
o aroma do luar,
o branco da rosa.

Quando o galo canta
Desprendem-se
para serem orvalho.

Eugénio de Andrade

Foto “Enlightened”, da Joana

1 de março de 2012

“Sim, quero!”



O dia amanhecera chuvoso, quase ameaçando tempestade. A noiva, tão linda que era, mesmo não precisando, tinha marcação no cabeleireiro e, sem dúvida, ainda brilharia mais com seus olhos verdes de princesa primaveril! A manhã foi longa, arrastou-se por entre tímidos assomos do sol até à hora da cerimónia.
Junto do altar, naqueles minutos de espera, tão breves mas, tão longos, os momentos felizes e marcantes do seu namoro tão lindo ali, presentes, vivos: a primeira troca de olhares, tímidos, meio envergonhados mas profundos, daqueles que marcam para a vida; os primeiros passeios, às escondidas, mãos entrelaçadas em recantos de jardim; os segredos apaixonados, as promessas de amor eterno, os sonhos partilhados, os anseios e as dúvidas, as dolorosas saudades nas separações a que as voltas da vida já haviam obrigado, os raros arrufos de amor, os primeiros beijos e abraços, a sede de entrega plena, os projectos que se começaram a construir a dois… um filme, qual conto de fadas, passando apressado à sua frente, ali mesmo!
Finalmente, a visão mais ansiada: ao fundo da igreja, a noiva, encantadora, deslizando feliz no seu vestido de princesa, com os sobrinhos do noivo de meninos das alianças a segurar-lhe o véu longo e, tão brevemente, o sonho há tanto acarinhado, realizado: “Sim, quero!”… “Sim, quero!”… e, para a vida toda, toda uma vida em mútua doação!
Passaram trinta e sete anos! Hoje, num raro olhar para trás, seriam muitas as bobines necessárias para reproduzir, como em filme, todos os momentos conquistados nesta caminhada, os melhores, os menos bons, os piores – na vida a dois cada dia, todos os dias, um novo desafio, um repetido apelo à renovação dos votos: em cada filho, em cada conquista, em cada dificuldade, em cada perda… sempre novas oportunidades para recomeçar, como se fosse o primeiro dia, como se pudesse ser o último!
Passaram trinta e sete anos e, como o primeiro dia, este dia é único e irrepetível: como em cada manhã desta vida partilhada contigo, hoje é dia de dizer, com a mesma força, com mais força ainda, se possível:
“Sim, quero!”… “Sim, quero!”… ainda e sempre!

Foto “Entrelaçadas”, da Joana

27 de fevereiro de 2012

Voltaste



Sempre te via, como em sonhos, perto,
Meu pensamento anulava o distante:
Era teu rosto, belo, estou bem certo
Mas, não sorria, nem mesmo um instante!

Tudo era triste, meu viver incerto:
Ave sem poiso, coração errante,
Eu e saudade, juntos, um deserto
- Só a esperança vivia, constante!

Mas, eis voltaste, meu peito vibrante
Em si não cabe, voa, ao longe, aberto:
Encontrou a luz, qual Sol, do Levante!

Mulher formosa, por mais que te cante,
O meu poema diz pouco, decerto:
Teu sorriso é vida, estrela brilhante!

Joaquim do Carmo
in "Amanhecer pelo fim da tarde"

19 de fevereiro de 2012

Amor ausente



Quando a distância afasta os corações
E, de um sorriso, só resta a saudade,
Tão leve é o brilho da felicidade
Que, de alegria, só dá ilusões!

Nem o trinar de suaves canções
De aves, louvando sua liberdade,
Vence a tristeza que minh’alma invade,
Nem verdes árvores nem, do sol, clarões!

Tudo, na ausência, é solidão agreste,
Cair da folha, vento, tempestade,
Noite sem estrelas, rouca voz distante!

Oh doce amor que, à vida, me prendeste:
Vem, dá alento à chama que, em mim, arde!
Vem, sê aurora em meu peito vibrante!

Joaquim do Carmo
in "Amanhecer pelo fim da tarde"

Foto “When the dark overcomes the light”, da Joana

11 de fevereiro de 2012

Ainda é tempo...


Boa tarde!?
Ainda a vida tenta impôr-se no incerto do novo dia, já me parece que tudo passou, ainda por cima bem ao lado de mim, sem o esboço de um gesto, sequer, num corropio constante de minutos, numa avalanche de dúvidas sobre cada sim, ou não, ou talvez… enfim, na indecisão sobre o instante que não pode ficar só por aí!
Parece complicado, talvez até seja, só que num país em que cada amanhã pode vir a desmentir todos os “hoje e agora”, cada ontem corre o risco de nunca ter existido, cada sim pode, afinal, ter pretendido expressar um rotundo não, para onde devemos olhar? Será que apenas nos resta ver com os olhos dos iluminados pela paisagem dita democrática, aí já negação de si mesma, aí já delapidada da sua razão de ser? Ou… será preciso, cada vez mais, dizer efectivamente não às mentiras-pretensas-verdades, às afirmações de apenas intenções, aos projectos apenas fachada?
Eu quero pensar que ainda é possível gritar a verdade, ou o que dela podemos alcançar, a espaços que seja, para afirmar o direito a ser cidadão do meu país, aqui e agora!

5 de fevereiro de 2012

Ai, flores!



De seda vestidas,
Suaves encantos,
De amantes,
Feiticeiras!

Ai, pétalas…

As cores
Os cheiros
O toque…

Ai, beleza! Ai, vida!

Inebriantes,
Terna melodia
De amor, doce paixão…

Ai… flores, voltem… ao poema!

Joaquim do Carmo
in "Amanhecer pelo fim da tarde"

Foto “Darker view”, da Ju

28 de janeiro de 2012

Reverso do tempo



As páginas revolvem-se, impacientes, quando sentem distante o calor dos dedos, eternos prisioneiros da pena. Passam-se tantas coisas nos intervalos dos dias! Pautam-se incontáveis linhas no recôndito das manhãs e, a cada momento, quais campainhas desafinadas, as palavras ainda não escritas ecoam nos ouvidos, teimosas, suplicando a sua afirmação. Percorridos os minutos, ébrios de todo e cada segundo já sorvidos, em catadupa, até ao sobressalto da frase capaz de traduzi-los, eis se revelam, em redemoinhos de letras, gota a gota, sobre a brancura inocente. Na confusão das emoções, pressentidas mas jamais ressentidas, as linhas preenchem-se, construindo-se na sombra das que as precederam, já saciadas de tempo! Presente, só aquele instante, distraído de sua plenitude, no verso da página gravada de véspera…

Foto da Ju: “Round  & Round”

17 de janeiro de 2012

A Sebenta



Da janela do meu quarto, há já muitos anos, a linha do horizonte teimava ali bem perto, descansando sobre o viaduto da nova auto-estrada. Havia horas do dia para todos os humores. Bem cedo que, hábitos criados na infância me fizeram madrugador, com o sol do lado oposto do meu quarto, dava para acompanhar os pássaros esvoaçando, ainda mal despertos, sobre as copas das árvores do pinhal que, à minha esquerda, ao invés de encurtar as vistas, lhes dava outra vida e abria o peito à esperança. De tarde, um pouco mais quente e acolhedor, o ar acalmava tudo ao redor e, então, em tal sossego, emoções, ideias, sentimentos podiam passear-se, serenamente, pelo meu ser, convidando à reflexão, por vezes, à criação, quase sempre. Era a hora de minha Sebenta de eleição voltar a ser confidente zelosa, discreta, companheira inseparável, anos a fio guardiã de meus versos, pensamentos, contos ou histórias de vida, vividas ou, quantas vezes, apenas sonhadas. E o fim de tarde? Eram horas, às vezes apenas minutos, apaixonantes, de emoções à flor da pele, convite irrecusável a viajar pelo tempo e pelo espaço. Pendurado no sol se escondendo, repousando-se nessa linha cativante, fronteira a transpor para a certeza de vida, aí se desvelavam meus amanheceres, esses momentos que, já esvaziados do passado recente, se enchem de promessas, desafios, convites…

Meus amores, meus anseios, minhas alegrias e tristezas, vitórias e fracassos, as minhas inseguranças como as minhas certezas – eram tempos, esses, de tantas inseguranças como certezas – ali permaneceram, mesmo quando a vida, nas páginas que dia a dia se foram escrevendo, me levou para bem longe. As folhas da minha Sebenta jamais deixarão que se apaguem antes, as mantêm bem actuais, bem vivas, vida em pleno.

Hoje, neste fim de tarde permiti-me, finalmente, regressar a essa janela. Saudade? Não, não quero que seja porque, ainda agora, noutro lugar e com outros horizontes, a tal linha unindo o hoje e o amanhã lá persiste, constante, fiel como a minha Sebenta, sempre com folhas em branco à espera das minhas confidências.

Até já, amanhã, vou amanhecer com o sol e, prometo, continuar à minha janela, de Sebenta ao peito!


Imagem da minha mesa, com a protagonista, num clique da Joana