25 de junho de 2013

Um “mar” de lembranças



Crónicas de verão

- Um “mar” de lembranças


Impávida e serena, a praia resistia na contemplação do horizonte sempre se renovando! Cada manhã, ansiosa da luz prometida de véspera, deixava-se embalar nas ondas refrescantes, retemperadoras após o calor do estio, horas e horas escaldando as areias até às dunas, berço de chorões pacientes, persistentes.

Ali bem perto, escassos, escondidos entre prédios frequentes, alguns jardins tentavam enganar a canícula e, entre tapetes de relva bem tratada, abrigavam frágeis flores que, já longe a Primavera, decoravam a paisagem e perfumavam o ar do Verão abrasador.
A marginal parecia adormecida, saboreando ainda, na ressaca de mais uma refrega com veraneantes sôfregos de sol e água salgada, a calma deixada pelo último pôr-do-sol, tons laranja se reflectindo até onde a vista alcançava, promessa de mais um dia de calor!
No passadiço – moderna investida na imensidão do areal – onde serenos caminhantes haviam desfilado sob a brisa refrescante, procurando retemperar forças para o dia seguinte, indecisos entre a saudável caminhada e a tentação das especialidades da zona, ali bem ao lado, só a azáfama dos preparativos para mais um dia de movimento perturbava o sossego matinal!
No olhar, vago, como se disperso ao sabor da aragem do vento norte madrugador, a recordação de outros verões, manhãs outrora sorridentes, outros dias repletos de vida, de autêntico calor e total felicidade, desde a aurora ao ocaso, prelúdio de noites de sonho e magia.
O silêncio de alguns destes espaços ainda com a vida entre parêntesis, avivando memórias de outras férias, trazia alguma paz aos dias ainda por vir! Silêncio… esse companheiro inseparável de momentos de criatividade, de viagens mágicas aos mais recônditos espaços do universo, de paragens que fazem renovar o tempo do “eu”, alongar os segundos do hoje ou soar os ecos de amanhãs talvez já vividos e fonte inesgotável de energia e vivacidade, porque íntimo da relação entre esse outro “eu” e o “eu” ali presente:
“ – Vem, meu amor, dá-me a tua mão e deixa que te guie até à calma duma noite de Verão, as ondas cantando ao fundo, à descoberta de recantos de sonho e paz, contando com a lua por testemunha…” – ouvia então, como se em filme, desse momento que, já tão distante, parecia tão presente, ainda e sempre actual, porque para sempre retido nos braços da saudade!
Afinal, a mão suave da lembrança revivida já há muito perdera seu calor, por demasiadas noites a lua deixara de ter algo tão belo a testemunhar e até as ondas, antes cantando melodias ternas e queridas dos amantes, seguiam chorosas, em lamentos repetidos, protestando o amor ausente…
O farol, esse, lá permanecia, intrépida e teimosamente, piscando o olho às gaivotas, dum lado a marina, pequenos veleiros em descanso de guerreiro disfarçado, do outro a aventura, o desafio, a labuta diária pela sardinha muito fresca, brilhante e requisitada, a resguardar-se, soberana, para o anunciado festival de verão, de mais um verão que não seria como qualquer outro: como as paixões, também os verões jamais se repetem!…

Joaquim do Carmo (a publicar)