25 de abril de 2011

Soltaram-se as asas


Deambulavas pelo campo, em tarde chuvosa, melancólico e apreensivo, ansiando primaveras há muito prometidas. Entre os pingos da chuva, qual melodia distante e saudosa, borbulhavam sons familiares, entre-cortados de palavras sentidas, sofridas, caladas.

Passando junto do campanário da velha igreja da aldeia, catavas lá no alto ventos de outras eras, de outros povos, de outros cantos do universo, asas presas na distância, outras paragens, quiçá inventadas, sem dúvida sonhadas, pressentidas.

Nessas longas caminhadas, imerso nas mais estranhas divagações, surpreendias-te aterrorizado no meio de um capim já quase familiar, sobrevivendo, nem sabias como, à mais terrível das emboscadas, vinte e um anos, quase imberbes, suspensos de um golpe de sorte – “ainda” não tinha chegado a tua vez: talvez estivesse já ali, ao findar de um mês demasiado próximo, a menos que te aventurasses “a salto” além da fronteira.

Tudo adiado, tudo em jogo, talvez! Futuro… que futuro?! “Um dia de cada vez” era a frase mais ouvida entre os iguais, sempre com a ténue esperança de que fossem poupados. Quem sabe a tal madrugada chegava, sem aviso prévio, como só poderia ser!?

Era assim que terminavam aqueles dias, era assim que outros mais teimavam amanhecer, cortando as asas aos que ainda se julgavam em tempo de semear enquanto, para os que apenas guardavam alguma reserva de vida para eventual colheita, as tardes se tornavam cada vez mais curtas, as noites mais longas e desesperadas.

Assim mesmo, de facto, entre a surpresa de quem se julgava eterno e a loucura de quem nunca desistira, essa madrugada de promessas despertou: alegre, ingenuamente alegre e sonhadora, disposta a mudar o destino, cravos vermelhos carregando as espingardas trovas, enfim desveladas, transformadas em senha de passagem para a vida!

Nessa madrugada, agora talvez já demasiado distante, até o cata-vento do campanário lá da igreja, nessa aldeia dos confins, soltou asas e se atreveu a arriscar viagens nunca imaginadas, para um futuro, finalmente, palavra-verdade-viva!

Nessa madrugada, como todos os jovens, até então com a vida a prazo, podias escrever, pela própria mão, um livro cheio de páginas de paz e prosperidade.

Foto: Google Imagens

13 de abril de 2011

Em mim teus beijos


Em mim, teus beijos

Ó meiga flor,

Suave doçura,

São, de desejos,

Eterno amor,

Qual fonte pura!


Em mim teus beijos

Sabor a sal

Sabor a mar

Ternos ensejos

Loucura tal

Qual palpitar!


Em mim teus beijos

Demais Maria

Demais formosa

Soam solfejos

De melodia

Com cheiro a rosa!


Dos meus "Versos de cor"
Foto Google Imagens

8 de abril de 2011

Senhora da Guia


Ao pé das ondas do mar
Ondulantes, cristalinas,
Abertas de par em par
Estão tuas portas salinas!

Em teus altares, a rezar,
Pedindo graças divinas,
Teus fiéis, do marear
Repousam mágoas e sinas.

Luzes de velas no altar,
Andores em roupagens finas,
Enfeites de jardinar,
De navegar, as bolinas.

E da Senhora, no ar
Pendem, calmas e ladinas,
Estrelas que cegam o olhar
Destas almas pequeninas.

Tão marcadas de penar,
Saudosas de ser meninas,
Entoam doce cantar
Fortes mulheres, as varinas.

Aqui sentem seu solar,
Aqui vêm, das esquinas,
Saber o que é amar,
E tornar-se peregrinas!


Fotos de Ju Oliveira