29 de maio de 2012

Dói o silêncio que resta




Passeavas em meu peito
qual princesa
de um reino sonhado,
vivo e cativante!
Cada aurora no meu sonho,
sorridente, tu cantavas
e, em meus dias,
tais momentos eram hinos
de prazer infindo!

Onde te escondes agora,
por que ocasos te prendeste
e, distante, me fugiste…
que não te vejo mais?

Dos matinais sons primaveris,
só a saudade… triste…
- Dói o silêncio que resta!

Joaquim do Carmo
in"Amanhecer pelo fim da tarde"

Foto de um quadro de Vincent Van Gogh

23 de maio de 2012

Era uma vez... na tarde



Distraída, a tarde esquecera-se do tempo, extasiada na contemplação do astro-rei incandescente, viajante solitário pelo azul cintilante do céu, quase tudo luz, quase tudo brilho, quase, porque as sombras das árvores, dispersas qual baralho de cartas abandonado aos caprichos do vento norte em pleno estio disfarçavam, em segredo, a canícula tão esperada como sufocante, ansiosa do sossego refrescante das fontes!
Lentamente, as cigarras penduravam seus gritos estridentes nos últimos raios solares, já menos abrasadores, repousando na promessa de renovados ardores, cedendo o espaço à saltitante algazarra dos passarinhos espreitando, por entre os folhedos, os despojos que os humanos deixaram pelo chão escaldado e sedento, no rescaldo da espera por um pouco de humidade.
Lá no alto, indiferentes à azáfama do recolher, as gaivotas passeavam-se, altivas, do mar para terra ou da terra para o mar, perscrutando as dunas, ao sabor dos ventos, entretanto mais suaves, indecisas entre o gosto do sal e a doçura das lagoas, mas atentas ao mais pequeno sinal, entre a espuma das ondas, para mergulhos picados, qual caçador treinado, paciente e certeiro.
Era o último fôlego para os viajantes do dia, incerto nos seus últimos minutos, sacudido pela brisa, refrescante, agora instalada para alegria dos seres amantes da acalmia: a seguir, outros haveriam de iniciar suas investidas neste universo plural, descansando por aqui até à volta das horas matutinas, anúncio de renovada esperança em lento despertar.
No firmamento aparecia a estrela da tarde, piscando o olho à lua, em crescendo, jogando às escondidas com a luz do poente, alaranjada e serena, cedendo o caminho, cansada, a novos passageiros celestiais: outras vidas, outras crenças, outras luzes, outros cantos… a calma da noite rompendo do espaço, tão imponente como o dia se instalando agora, por outras paragens, senhora dos silêncios reconfortantes, colo para os coaxares refrescantes no leito dos pântanos ou margens das lagoas: as rãs estavam lá, bem perto da tarde esquecida, lembrando-lhe o seu fim, condição de perenidade.
A tarde cedera, enfim, à lei do tempo e, reconfortada pela promessa de breve amanhecer, agora desperta, acomodava-se entre as esteiras da calma, suave, revigorante, promissora!
Pé ante pé, chegara a noite!
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Foto “Pôr-do Sol em Braga, da Ju (http://olhares.sapo.pt/por-do-sol-em-braga-foto1539322.html)

15 de maio de 2012

Acordar



Teu sorriso de princesa
Passou a noite comigo:
Nos sonhos, foi chama acesa,
Ao acordar, meu castigo!

Joaquim do Carmo
in"Amanhecer pelo fim da tarde"

Foto: “Hint of a smile”, da Joana (http://olhares.sapo.pt/hint-of-a-smile-foto3450963.html)

5 de maio de 2012

Pelas ruas das cidades...



No firmamento, as estrelas desafiavam a realidade! A cada esquina, como estátuas gélidas e permanentes, mendigos disputavam, impacientes, algum abrigo para mais uma noite à margem da vida. Mais adiante, não menos à margem, de mais vidas se disfarçavam outras esquinas, semelhando-se inteiras, intensas, verdade, na mentira de entregas sonhadas ou iludidas.

No firmamento, as estrelas, por vezes, pareciam cair e, velozes, mudavam-se, apagavam-se ali para brilhar mais além! No seu movimento, assustado e assustador, levavam escondidos sonhos e anseios de olhares vazios de esperança, descrentes de qualquer eternidade.

Pelas ruas, entre esquinas esquecidas, despojadas, resistentes, as estrelas eram sempre cadentes e, mesmo mudando-se, pressentiam cada vez mais distante e apagada a hipótese de algum brilho!

Pelas ruas da cidade, a realidade desmentia o firmamento, cruelmente… tristemente!

Joaquim do Carmo
in"Amanhecer pelo fim da tarde"

Foto “Lights in the Moon Road”, da Ju (http://olhares.sapo.pt/lights-in-the-moon-road-foto1593169.html)