20 de junho de 2008

memórias de um castanheiro

:
Há muitos anos plantado no meio do pomar, eis que o castanheiro vê próximo o seu fim. Está velho, já curvado ao peso dos anos, tantos, prestando à humanidade os mais relevantes serviços.

Enquanto, atarefados, os serradores o vão cortando, ele começa a recordar todos os trabalhos por que passou, todas as dificuldades que encontrou durante a vida. No Inverno, o vento o forçara várias vezes, obrigando-o a inclinar-se sob a sua poderosa acção; a chuva, caindo impiedosamente, escorrera pelos seus braços até cair no chão, alagando o terreno e tornando mais sensível a sua raiz. No Verão, vergado ao peso dos seus frutos, queimado pelo sol ardente, quantas vezes clamara por alguma gota de água!
Mas, por entre tais recordações, também se lembrava das alegrias que o haviam animado: quanta felicidade sentira ao ver-se florido e verdejante na Primavera, livre estalajadeiro dos romeiros e trabalhadores nas tardes escaldantes de Verão, merenda apreciada nos magustos do Estio!

Estava velho! Ao longo da sua vida, já muitas outras árvores tinham caído a seu lado, deixando como lembrança da sua existência a sua madeira; então, mais uma vez se alegrava fortemente: também ele, depois de derrubado, iria aquecer com o seu lenho alguma casa escondida e fria do monte, ou fornecer aos marceneiros matéria-prima que pudessem lapidar!

Rendia-se, por fim, mas satisfeito, por ver que tinha sido, em toda a sua vida, um elemento útil no meio do mundo.


(... e são tantas as saudades!)



6 de fevereiro de 2008

volto já

:
Devagarinho, a luz estende seus braços ao longe, até onde os olhos, ainda meio adormecidos, conseguem enxergar. É de sonhos que despertam as árvores, as flores, as aves! É de viagens por mundos impossíveis que arribam as maravilhas desta realidade, tão improvável como certa, tão imprevisível como esperada, acessível como a utopia, desafio, jogo de contingências, porém, promessa de imortalidades!

Não sei! Não desejo mais que perguntar, que alimentar de dúvidas mais este esforço pela esperança - afinal, a luz voltou, por quanto tempo? Não deixo de estar onde me deixei, donde me expus à maré, para ficar, ou partir, ou regressar! As aves, essas vão e vêm até que os ventos as deixem ficar, ou partir, ou regressar! As flores, essas abrem, ou fecham, ficam ou transcendem-se, até não voltarem! As árvores, essas, morrem de pé, depois de muito persistirem, vestidas ou despidas pelas estações!

Vou ficar - afinal, tenho mais uma oportunidade!

22 de janeiro de 2008

dia-a-dia

os dias são sempre depois dos dias

e, entre eles, as noites, os sonhos, o acordar?
e a esperança?
e o acreditar que amanhã também vai ser dia?



e a vida
que não pare em qualquer beco
sem saída?

a vida
os dias
as noites
os sonhos...
... os dias, cada dia, ao acordar!


16 de janeiro de 2008

inclinado en la tarde

Inclinado nas tardes lanço as minhas tristes redes
aos teus olhos oceânicos.
Ali se estira e arde na mais alta fogueira
a minha solidão que esbraceja como um náufrago.

Faço rubros sinais sobre os teus olhos ausentes
que ondeiam como o mar à beira de um farol.
Somente guardas trevas, fêmea distante e minha,
do teu olhar emerge às vezes o litoral do espanto.

Inclinado nas tardes deito as minhas tristes redes
a esse mar que sacode os teus olhos oceânicos.
Os pássaros noturnos debicam as primeiras estrelas
que cintilam como a minha alma quando te amo.

Galopa a noite na sua égua sombria
derramando espigas azuis sobre o campo.
PabloNerudaTradSemIdfotofireMarcelPollner, em un-dress

15 de janeiro de 2008

das árvores

Não resisti a publicar esta foto (fotos de ana luar), e o texto que, fala por si:

"AO VIANDANTE
TU QUE PASSAS E ERGUES PARA MIM O TEU BRAÇO
ANTES QUE ME FAÇAS MAL, OLHA-ME BEM.
EU SOU O CALOR DO TEU LAR NAS NOITES FRIAS DE INVERNO
EU SOU A SOMBRA AMIGA QUE TU ENCONTRAS
QUANDO CAMINHAS SOB O SOL DE AGOSTO
E OS OS MEUS FRUTOS SÃO A FRESCURA APETITOSA
QUE TE SACIA A SEDE NOS CAMINHOS.
EU SOU A TRAVE AMIGA DA TUA CASA, A TÁBUA DA TUA MESA,
A CAMA EM QUE DESCANSAS E O LENHO DO TEU BARCO.
EU SOU O CABO DA TUA ENXADA , A PORTA DA TUA MORADA,
A MADEIRA DO TEU BERÇO E DO TEU PRÓPRIO CAIXÃO
EU SOU O PÃO DA BONDADE E A FLOR DA BELEZA
TU QUE PASSAS, OLHA-ME BEM E NÃO ME FAÇAS MAL"

14 de janeiro de 2008

Ventos e marés

... e recomeçar! De cada vez com ainda mais afinco, persistência, paciência também, que isto de "andar à bolina" não é para qualquer um!

Os ventos sopram a seu belo prazer - se é que também eles se movem por esses caminhos! - mas as velas, se inteiras e sabiamente manipuladas, hão-de levar-nos a destinos seguros!

As noites, longas e sombrias, hão-de por certo aportar em dias novos, sorridentes, grávidos de esperança, renovados!

A vida, a cada suspiro, há-de trazer consigo outras forças, outros ventos, mais marés, outras descobertas!

E o futuro, em cada momento, feito hoje!
Foto de Gui Oliveira



“… à procura, procura do vento. Porque a minha vontade tem o tamanho de uma lei da terra. Porque a minha força determina a passagem do tempo. Eu quero. Eu sou capaz de lançar um grito para dentro de mim, que arranca árvores pelas raízes, que explode veias em todos os corpos, que trespassa o mundo. Eu sou capaz de correr através desse grito, à sua velocidade, contra tudo o que se lança para deter-me, contra tudo o que se lança no meu caminho, contra mim próprio. Eu quero. Eu sou capaz de expulsar o sol da minha pele, de vencê-lo mais uma vez e sempre. Porque a minha vontade me regenera, faz-me renascer, renascer. Porque a minha força é imortal.”
José Luís Peixoto in "Cemitério de Pianos"

11 de janeiro de 2008

de mim para mim

Pensava já perceber alguma coisa àcerca da natureza humana, do amor, da paz e da guerra, da política, do devir... quanta presunção!

Estava enganado, convencido, iludido ou, antes, distraído?...

Estava? Estou!

Estou por aqui à procura do que vem de dentro de mim há tanto tempo, ainda, sempre, e distraio-me tanto, cada vez mais!

Pensava já perceber alguma coisa àcerca de mim... será que estou mesmo distraído?!

Foto: "A Torre", Gui Oliveira

8 de janeiro de 2008

escrever


"Escrever um poema é como se fosse uma noite de amor, escrever um conto é um namoro, mas escrever um romance é um casamento".

Amos Oz, escritor israelita, citado in JORNAL A DIAS

Foto de Ju Oliveira

4 de janeiro de 2008

frases...


"As qualidades do espírito produzem invejosos; as do coração, amigos"


Genlis, Félicité

Foto de Gui Oliveira