Quis partir, manhã cedo, com o vento abanando as árvores, estremunhadas, quase sonâmbulas, à procura da calma que havia perdido, há tanto tempo, por entre o bulício da cidade!
Já não cabia em si qualquer espaço para falar consigo mesmo, a mais ínfima reserva de privacidade que, qual gota de água em boca sequiosa, tanta falta lhe fazia!
As tardes de Francisca, jardins por onde, antes, desabrochavam as mais belas e, para ela, encantadoras melodias à vida, às palavras, ao sonho e, quanta saudade, ao amor, foram-se tornando áridas, desertas de qualquer oportunidade de crescimento, realização interior, abertura ao desconhecido, espaço de infinitude ou janela aberta para o desafio.
De nada valiam, agora, protestadas amizades e insuspeitas manifestações de carinho por parte dos resistentes que, invariavelmente, batiam à sua porta e, apesar da indiferença, insistiam em vir, dia após dia, marcar presença a seu lado, esperança desvanecendo-se de cada vez que a única resposta era o desejo de fugir, desaparecer, “voar”!
Desta vez, o dia seria mesmo aquele novo despertar que tanto ansiava; a curva da estrada não seria mais obstáculo intransponível, barreira que a sua fraca coragem a tinha impedido de ultrapassar.
Decidida a enfrentar-se e aos seus medos, a permitir-se o risco, Francisca iniciou o assalto ao desconhecido: soltas as amarras, velas desfraldadas, qual caravela em aventura mar adentro, deixou-se levar por esse vento madrugador, impetuoso e companheiro amigo para a viagem por demais adiada.
Partia em busca do sítio remanso que, noite após noite, habitava seus sonhos inquietos e vazios: haveria que trazer, de novo, brilho aos seus dias, agora tão sombrios e confusos; haveria que recuperar para si aquela alegria que transfigurava os seus olhos, agora tristes e, tantas vezes, ninho de lágrimas, em rios de cristalina e contagiosa felicidade; haveria que reinventar o calor de suas fiéis e desinteressadas amizades e o carinho revigorante de suas paixões mais sinceras.
Haveria, sim!... Afinal, aquilo que, até então, parecia tão difícil e inatingível, tornara-se realidade inadiável: ali mesmo, ao virar da esquina, desperta pelo vento forte dessa manhã, Francisca descobrira que a sonhada viagem não passaria de um gesto de seu querer mais profundo, um salto, arriscado, talvez, mas decisivo, sobre o abismo que, do alto de sua tristeza e melancolia, construíra ao seu redor, afastando-a dos que tanto lhe queriam e, pior que tudo, de si própria e da sua força de viver! Haverá... que encontrar-se!
Fotos: Google Imagens