28 de janeiro de 2012

Reverso do tempo



As páginas revolvem-se, impacientes, quando sentem distante o calor dos dedos, eternos prisioneiros da pena. Passam-se tantas coisas nos intervalos dos dias! Pautam-se incontáveis linhas no recôndito das manhãs e, a cada momento, quais campainhas desafinadas, as palavras ainda não escritas ecoam nos ouvidos, teimosas, suplicando a sua afirmação. Percorridos os minutos, ébrios de todo e cada segundo já sorvidos, em catadupa, até ao sobressalto da frase capaz de traduzi-los, eis se revelam, em redemoinhos de letras, gota a gota, sobre a brancura inocente. Na confusão das emoções, pressentidas mas jamais ressentidas, as linhas preenchem-se, construindo-se na sombra das que as precederam, já saciadas de tempo! Presente, só aquele instante, distraído de sua plenitude, no verso da página gravada de véspera…

Foto da Ju: “Round  & Round”

17 de janeiro de 2012

A Sebenta



Da janela do meu quarto, há já muitos anos, a linha do horizonte teimava ali bem perto, descansando sobre o viaduto da nova auto-estrada. Havia horas do dia para todos os humores. Bem cedo que, hábitos criados na infância me fizeram madrugador, com o sol do lado oposto do meu quarto, dava para acompanhar os pássaros esvoaçando, ainda mal despertos, sobre as copas das árvores do pinhal que, à minha esquerda, ao invés de encurtar as vistas, lhes dava outra vida e abria o peito à esperança. De tarde, um pouco mais quente e acolhedor, o ar acalmava tudo ao redor e, então, em tal sossego, emoções, ideias, sentimentos podiam passear-se, serenamente, pelo meu ser, convidando à reflexão, por vezes, à criação, quase sempre. Era a hora de minha Sebenta de eleição voltar a ser confidente zelosa, discreta, companheira inseparável, anos a fio guardiã de meus versos, pensamentos, contos ou histórias de vida, vividas ou, quantas vezes, apenas sonhadas. E o fim de tarde? Eram horas, às vezes apenas minutos, apaixonantes, de emoções à flor da pele, convite irrecusável a viajar pelo tempo e pelo espaço. Pendurado no sol se escondendo, repousando-se nessa linha cativante, fronteira a transpor para a certeza de vida, aí se desvelavam meus amanheceres, esses momentos que, já esvaziados do passado recente, se enchem de promessas, desafios, convites…

Meus amores, meus anseios, minhas alegrias e tristezas, vitórias e fracassos, as minhas inseguranças como as minhas certezas – eram tempos, esses, de tantas inseguranças como certezas – ali permaneceram, mesmo quando a vida, nas páginas que dia a dia se foram escrevendo, me levou para bem longe. As folhas da minha Sebenta jamais deixarão que se apaguem antes, as mantêm bem actuais, bem vivas, vida em pleno.

Hoje, neste fim de tarde permiti-me, finalmente, regressar a essa janela. Saudade? Não, não quero que seja porque, ainda agora, noutro lugar e com outros horizontes, a tal linha unindo o hoje e o amanhã lá persiste, constante, fiel como a minha Sebenta, sempre com folhas em branco à espera das minhas confidências.

Até já, amanhã, vou amanhecer com o sol e, prometo, continuar à minha janela, de Sebenta ao peito!


Imagem da minha mesa, com a protagonista, num clique da Joana