..."A dor de um fruto tombado, é isso que eu sinto. O anúncio da semente, é isso que espero. Como vês eu me aprendo árvore e chão, tempo e eternidade.
- És parecida com a Terra. Essa é a tua beleza.
Era assim que dizias. E quando nos beijávamos e eu perdia a respiração e, entre suspiros, perguntava: em que dia nasceste? E me respondias, voz trémula: estou nascendo agora. E a tua mão ascendia por entre o vão das minhas pernas e eu voltava a perguntar: em que dia nasceste? E tu, quase sem voz, respondias: estou nascendo em ti, meu amor. Era assim que dizias. Marcelo, tu eras um poeta. Eu era a tua poesia. E quando me escrevias, era tão belo o que me contavas que me despia para ler as tuas cartas. Só nua eu te podia ler. Porque te recebia não em meus olhos, mas com todo o meu corpo, linha por linha, poro por poro."
... ... ...
"O meu amor escrevia de modo tão profundo que, no decurso da leitura, eu sentia o braço dele roçando o meu corpo e era como se desabotoasse o vestido e as roupas desabassem a meus pés."
... ... ...
"Os homens não olham as mulheres que acabaram de amar porque têm medo. Têm medo do que podem encontrar no fundo dos olhos delas."
... ... ...
in "Jesusalém", de Mia Couto
Foto: Google Imagens
De poemas se vestem os dias, os mares de horizontes… o momento, cada momento, veste-se de vida!
28 de fevereiro de 2010
27 de fevereiro de 2010
fragmentos
"... - O seu avô paterno rezava junto aos rios quando queria pedir chuva.
- E depois, chegava a chover?
- Chove sempre depois. A rega é que pode ser feita com demasiada antecedência..."
"... Entre as mãos arredondava um vazio, com cuidados de quem transporta uma pequena ave..."
"... Para se estar vazio é preciso ter dentro. E eu perdi a minha interioridade..."
"... eu sou como a savana: ardo para viver. E morro afogada pela minha própria sede!..."
in "Jesusalém", de Mia Couto
26 de fevereiro de 2010
a borboleta
brilhante, da candeia,
uma borboleta
bela, mas inquieta,
eis, volteia!
Agora sobe,
desce já,
vem aqui,
volta acolá,
num rodopiar constante!
Porém, não dura muito
seu meigo voltear:
Cai...
e eu, fico a meditar!...
Foto: Google Imagens
25 de fevereiro de 2010
o barqueiro inculto
Tratava-se de um jovem erudito, arrogante e convencido. Para atravessar um caudaloso rio, apanhou uma barca. Silencioso e submisso, o barqueiro começou a remar com diligência. De súbito, um bando de pássaros sulcou o firmamento e o jovem perguntou ao barqueiro:
- Bom homem, estudaste a vida das árvores?
- Não, senhor - respondeu o barqueiro.
- Então, amigo, perdeste a quarta parte da tua vida.
Passados uns minutos, a barca deslizou junto de umas exóticas plantas que flutuavam nas águas do rio. O jovem perguntou ao barqueiro:
- Diz-me, barqueiro, estudaste botânica?
- Não, senhor, não sei de nada de plantas.
- Então devo dizer que perdeste metade da tua vida - comentou o petulante jovem.
O barqueiro continuava a remar, pacientemente. O sol do meio-dia reflectia-se nas margens do rio. Então, o jovem perguntou:
- Sem dúvida, barqueiro, navegas nestas águas há anos. Sabes alguma coisa sobre a natureza das águas?
- Não, senhor, nada sei a esse respeito. Não sei nada sobre estas águas nem sobre quaisquer outras.
- Oh, amigo! - exclamou o jovem. - Francamente, perdeste três quartas partes da tua vida.
Subitamente a barca começou a meter água. Não havia maneira de tirá-la e começou a afundar-se. O barqueiro perguntou ao jovem:
- Senhor, sabe nadar?
- Não, respondeu o jovem.
- Então temo, senhor, que perdeu toda a sua vida.
Conto indiano in "Os melhores contos espirituais do oriente", de Ramiro Calle
- Bom homem, estudaste a vida das árvores?
- Não, senhor - respondeu o barqueiro.
- Então, amigo, perdeste a quarta parte da tua vida.
Passados uns minutos, a barca deslizou junto de umas exóticas plantas que flutuavam nas águas do rio. O jovem perguntou ao barqueiro:
- Diz-me, barqueiro, estudaste botânica?
- Não, senhor, não sei de nada de plantas.
- Então devo dizer que perdeste metade da tua vida - comentou o petulante jovem.
O barqueiro continuava a remar, pacientemente. O sol do meio-dia reflectia-se nas margens do rio. Então, o jovem perguntou:
- Sem dúvida, barqueiro, navegas nestas águas há anos. Sabes alguma coisa sobre a natureza das águas?
- Não, senhor, nada sei a esse respeito. Não sei nada sobre estas águas nem sobre quaisquer outras.
- Oh, amigo! - exclamou o jovem. - Francamente, perdeste três quartas partes da tua vida.
Subitamente a barca começou a meter água. Não havia maneira de tirá-la e começou a afundar-se. O barqueiro perguntou ao jovem:
- Senhor, sabe nadar?
- Não, respondeu o jovem.
- Então temo, senhor, que perdeu toda a sua vida.
Conto indiano in "Os melhores contos espirituais do oriente", de Ramiro Calle
Foto: Google Imagens
23 de fevereiro de 2010
(sorriso)
frio na estrada!
Nos pés descalços
do menino
que sorri:
um sorriso triste,
simples,
distante...
- terá vindo com a neve? -
... mas quente
e, já não neva!
22 de fevereiro de 2010
o grão de areia
era uma vez
um ínfimo grão de areia
um daqueles triliões e triliões que, por ali,
na fronteira entre terra e mar, se unem
qual tapete dourado,
jogando às escondidas
com o sol,
a espuma das águas salgadas,
os recantos mais íntimos
de enlaçados, descuidados amantes,
os castelos que inocentes mãos deixam ao tempo,
espelho vivo de contos,
histórias de sereias e fadas
jamais sonhados…
um daqueles que, qual exército
alinhado com o pó, em dura argamassa,
enforma casas, estradas ou templos
das belas cidades, criações do homem inquieto…
Foto: "Sanctuary" da Ju
um ínfimo grão de areia
um daqueles triliões e triliões que, por ali,
na fronteira entre terra e mar, se unem
qual tapete dourado,
jogando às escondidas
com o sol,
a espuma das águas salgadas,
os recantos mais íntimos
de enlaçados, descuidados amantes,
os castelos que inocentes mãos deixam ao tempo,
espelho vivo de contos,
histórias de sereias e fadas
jamais sonhados…
um daqueles que, qual exército
alinhado com o pó, em dura argamassa,
enforma casas, estradas ou templos
das belas cidades, criações do homem inquieto…
um daqueles que, cavados
na costa pelas ondas, ora suaves,
ora turbulentas,
se deixam embalar no seu vaivém constante,
indecisos
entre terra e mar…
um desses triliões e triliões
prendeu-se de amores pelo vento
e, embriagado com a sua leveza,
deixou-se levar, ar adentro,
numa infinda viagem, quiçá a mais bela,
mais longa e misteriosa,
buscando a liberdade!...
Foto: "Sanctuary" da Ju
21 de fevereiro de 2010
compreensão
O mestre e o seu discípulo caminhavam por uma pradaria. No seu passeio iam ouvindo as vozes das diferentes criaturas: o mugir da vaca, o chilrear dos pássaros, o balir das ovelhas, o relinchar dos cavalos...
Se ao menos, por um instante, pudesse compreender o que dizem! - exclamou o discípulo referindo-se aos animais.
E o mestre respondeu:
- Se ao menos, por um instante, pudesses compreender aquilo que tu és realmente!
Conto indiano in "Os melhores contos espirituais do oriente", de Ramiro Calle
Foto: "Pinned Heart" da Ju
20 de fevereiro de 2010
ternura
sejam meus versos um hino
de amor, terna doação:
humilde prece ao destino
- um afago, um xi-coração
Foto: Google Imagens
19 de fevereiro de 2010
a minha flor preferida
Flor pequenina,
aberta no meio do lindo canteiro,
porque será
que, sendo tu tão pequenina,
foi a ti que vi primeiro?
À tua volta,
flores maiores,
mais belas, talvez e perfumadas,
quase te escondem...
Tímida,
como que te encolhes no meio delas;
E contudo,
foi a ti que vi primeiro:
só por seres pequenina, decerto!
Flor pequenina do meu jardim:
deixa-me ser, como tu,
pequenino!
Foto: Google Imagens
18 de fevereiro de 2010
da amizade
Esta manhã
... a chorar!
Logo quis dizer-lhe,
-como costuma dizer-se às criancinhas:
és feio a chorar!
Mas, não pude:
ele era ainda mais belo assim!
Tive pena
pois, gostaria de o animar;
porém, mais não pude que p'ra ele olhar...
e ele, a chorar...
Depois veio o Sol:
vi-o espreitar, ao longe, na serra
e, logo a correr, o botão beijar!
E o botão abriu-se,
sorriu,
deixou de chorar!
O Sol
e o lindo botão de rosa
devem ser muito amigos!...
Foto: Google Imagens
17 de fevereiro de 2010
o mundo é belo!
A chuva que cai
e bate, forte, na minha janela,
o vento que passa
e abana as cortinas do meu quarto,
as negras nuvens
que escondem o azul do céu,
mentem!
Querem dizer-me que é triste este mundo,
tão triste e sombrio tornam este dia!
Querem dizer-me que é feia a paisagem,
monótona e fria no inverno que corre!
Querem dizer-me que é má esta terra
onde tudo morre e quase não há vida!
Mentem!
Mentem porque vem,
já perto, a Primavera!
Mentem porque o Sol
já brilha sobre os campos!
Mentem porque as aves
já cantam em seus ninhos!
Mentem!
Por isso, revivo, não posso ficar:
vou cantar com as aves,
esquecer a tristeza!
Vou viver com as flores,
esquecer dias sós!
Vou dizer bem alto
à chuva,
ao vento,
às nuvens:
é belo, o mundo, é belo!
Foto: "Explosion of green", da Ju
11 de fevereiro de 2010
para além das aparências
O discípulo pergunta:
Conto indiano in "Os melhores contos espirituais do oriente", de Ramiro Calle
- Mestre, onde está a verdade?
- Na vida do dia-a-dia.
- Mas eu, na minha vida diária, não vejo qualquer verdade - protesta o discípulo.
- Essa é a diferença, que uns vêm e outros não.
Conto indiano in "Os melhores contos espirituais do oriente", de Ramiro Calle
Foto: "Observing the Observer" da Gui
8 de fevereiro de 2010
o desencanto
Era um homem que nunca tivera ocasião de contemplar o mar. Vivia numa aldeia do interior da Índia. Uma ideia instalara-se com firmeza na sua mente: não podia morrer sem ver o mar.
Para poupar algum dinheiro e poder viajar até à costa, arranjou outro trabalho além do seu emprego habitual. Poupava tudo o que podia e suspirava pelo dia em que ia poder estar perante o oceano. Foram anos difíceis mas, finalmente, poupara o suficiente para fazer a viagem. Apanhou um comboio que o levou até perto do mar. Sentia-se entusiasmado e pleno.
Chegou à praia e observou o maravilhoso espectáculo. Que ondas tão bonitas! Que espuma tão branca e tão formosa! Que água tão azulada e tão bela! Aproximou-se da água, apanhou um pouco na concavidade da sua mão e levou aos lábios para degustá-la. Então, desencantado e abatido, disse para si próprio: "Que pena que saiba tão mal, sendo tão bonita!"
Conto indiano in "Os melhores contos espirituais do oriente", de Ramiro Calle
Foto: "Ragging Waters" da Ju
Para poupar algum dinheiro e poder viajar até à costa, arranjou outro trabalho além do seu emprego habitual. Poupava tudo o que podia e suspirava pelo dia em que ia poder estar perante o oceano. Foram anos difíceis mas, finalmente, poupara o suficiente para fazer a viagem. Apanhou um comboio que o levou até perto do mar. Sentia-se entusiasmado e pleno.
Chegou à praia e observou o maravilhoso espectáculo. Que ondas tão bonitas! Que espuma tão branca e tão formosa! Que água tão azulada e tão bela! Aproximou-se da água, apanhou um pouco na concavidade da sua mão e levou aos lábios para degustá-la. Então, desencantado e abatido, disse para si próprio: "Que pena que saiba tão mal, sendo tão bonita!"
Conto indiano in "Os melhores contos espirituais do oriente", de Ramiro Calle
Foto: "Ragging Waters" da Ju
2 de fevereiro de 2010
e quem te prende?
Angustiado, o discípulo foi visitar o seu mentor espiritual e perguntou-lhe com uma voz desanimada:
- Como me posso libertar, venerado mestre?
O preceptor respondeu:
- Meu amigo, e quem é que te prende senão a tua mente?
O preceptor respondeu:
- Meu amigo, e quem é que te prende senão a tua mente?
Conto indiano in "Os melhores contos espirituais do oriente", de Ramiro Calle
Foto: "Pandora's Mistery" da Ju
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