29 de maio de 2011

a enxertia


- Avô, avô, está a chegar a Primavera – gritava, quinteiro adentro, até parar, quase sem respiração, encostado à banca de trabalho, junto à parede forrada de ferramentas!

Nas primeiras vezes, o Ti Manel Afonso até se assustara com estas entradas de rompante do neto, sem pré-aviso, pelas calmas tardes domingueiras. Depressa, porém, essas tardes já não eram as mesmas quando, por algum motivo, ele não podia vir animar, com as suas perguntas intermináveis, as horas em que, com teimosa habilidade, se entretinha a dar largas à sua criatividade, entre semanas de intensa labuta.

Fora numa dessas tardes que, pela janela do barracão anexo ao quintal da casa, o Tomás reparara na pereira carregada de enormes peras, qual delas a maior, vergando sob o seu peso os ramos já cansados.

- Para que são aqueles paus, avô?

Por baixo de alguns dos ramos mais carregados, o Ti Manel Afonso colocara estacas resistentes, para impedir que se partissem, arrastando na queda os frutos ainda imaturos, com risco de apodrecerem.

- É para ajudar a árvore a segurar as peras, que são muito grandes, estás a ver?

- Mas porque é que não as apanhas avô? Assim, podíamos comê-las e os ramos já não tinham que segurar tanto peso!...

- Pois, é verdade, Tomás! Só que as peras ainda não estão maduras!...

- Maduras, avô?

- Sim, Tomás, o avô está cansado de te dizer que a fruta só se deve comer quando já está madura, ou seja, tenra, macia e saborosa como as pessoas gostam; para isso, temos de esperar o tempo necessário!

Naquela época, que saudade, não se apanhava a fruta verde para armazenar em câmaras frigoríficas e vender, meses depois, como se acabada de colher…!

- Mas as peras da Ti Mariana são mais pequenas e também são muito boas, que eu já provei!

- Tens razão, a maior parte das pereiras dão frutos mais pequenos e, a não ser que sejam em muito grande quantidade, o que é raro, os ramos aguentam bem! O avô até já pensou em pedir-lhe um bom galho para enxertar na nossa pereira, a ver se dá peras mais pequenas mas com o mesmo sabor!

- Enxertar?! O que é isso?

- Ora bem: com algumas árvores, é possível, pela Primavera, colar num ramo de uma árvore um galho de outra árvore, mesmo que de outro fruto, seguindo algumas regras importantes, num processo a que se dá o nome de enxertia! O avô não é um grande entendido mas, com cuidado e alguns conhecimentos, pode tentar enxertar num ramo desta pereira um galho das pereiras da Ti Mariana. Quando for a altura certa – como já te disse, terá de ser lá para Março, pertinho da Primavera – o avô vai mostrar-te como se faz. Quem sabe, talvez na próxima colheita já tenhamos também peras iguais às da Ti Mariana, com o ramo que ela me der.

Os domingos iam-se sucedendo, um após outro, ao sabor do calendário, com o Ti Manel Afonso entretido nas suas tarefas domingueiras: eram cadeiras que, a pedir renovação, com uma habilidade de fazer inveja a qualquer marceneiro, ficavam como novas, para regalo do Tomás, ajudante de serviço sempre muito activo; era a poda às videiras da ramada, à malapeira, à velha pereira, também, claro – a laranjeira, bem junto do poço, estava no auge da sua produção e só mais tarde chegaria a sua vez.

Havia sempre algo para fazer, com chuva ou com sol, para manutenção da velha casa, das mobílias, cheias de história mas, também, cansadas da luta contra o tempo e do uso, por mais cuidadoso, enfim, da horta e do pomar, as tarefas mais pesadas que a avó já não conseguia executar durante a semana.

A velha pereira, aliviada de seus frutos, entretanto saboreados, resistia como podia aos rigores de mais um Inverno, sempre sob o olhar atento e expectante do Tomás, desesperando por assistir, na primeira fila, à prometida enxertia, essa coisa fantástica, jamais por si imaginada, de pôr a pereira do avô a dar peras como as da Ti Mariana! Na sua inocência, até já se esquecera que, com tal empreitada, o Ti Manel Afonso também esperava conseguir que a velha pereira conseguisse dar frutos mais pequenos, aliviando os ramos do esforço a que eram sujeitos com as enormes peras que habitualmente produzia.

Na última semana, na escola, a professora dera o mote: meninos e meninas, como está a chegar a Primavera, vão todos fazer um lindo desenho sobre esta estação do ano – e seguiu-se, como se está mesmo a ver, uma breve exposição sobre as quatro estações do ano, suas características mais simples e acessíveis, até se fixarem no tema agora proposto.

Tomás não via chegar o fim da semana, ansioso pela habitual visita ao avô. Já estava a vê-lo com o galho pedido à Ti Mariana em punho, pronto para a tão esperada cirurgia! Por pouco não tropeçou, na correria, com um novo companheiro para essa tarde: lá estava ele, estendido bem ao lado da bancada, o galho entretanto cedido pela Ti Mariana, prontinho para dar nova vida à velha pereira.

Mãos à obra, intimou o avô, adivinhando a pressa do Tomás em participar em tão importante evento! Agora vou ver se estás atento e, se correr bem, para o ano que vem já vais saber como fazer mais um enxerto.

O ritual que se seguiu, pela tarde fora, ainda hoje, volvidos tantos anos, está na memória do Tomás como se fosse presente! Dos nomes das técnicas às mais cuidadosas manipulações, dos eventuais padecimentos da paciente cobaia, das expectativas para a próxima colheita, de tudo o seu saudoso avô, Ti Manel Afonso, lhe foi dando conta, passo a passo, prendendo-lhe a atenção e saciando-lhe a curiosidade. Olhando agora para a pereira ainda resistente, já adornada com peras de dois tamanhos bem diferentes porém, todas igualmente deliciosas Tomás, lágrima no canto do olho, não pode deixar de recordar a última pergunta que fez nessa tarde tão distante:

- Avô, achas que este galho da pereira da Ti Mariana se vai dar bem no garfo da nossa pereira onde o prendeste? É assim como mudar de casa, não é?...

- Sabes, Tomás, respondeu-lhe o Ti Manel Afonso, com ar sério mas de extrema suavidade: na natureza, todas as coisas se entendem bem, desde que as pessoas as respeitem como são, em seu encanto e riqueza. E, mesmo quando nós tentamos adaptá-las a novas formas, se as tratamos com amor, cuidado e dedicação, elas compensam-nos da melhor maneira que sabem: renovam-se cada dia, todos os anos, para nos servir e ajudar a ser felizes!

Foto: Google Imagens

14 de maio de 2011

aparição


na penumbra
se vivem reflexos de esperança,
em pausa de incerteza!

entre raios estelares,
prenúncio de alva beleza,
gritos doridos, cânticos,
adoração e prece!

e, de uma voz doce,
celestial, melodiosa,
um chamamento de amor:
“dizei a todos que venham também…”!

e vieram… com fé,
e voltam… em paz,
procurando... o tal amor!

Imagem da Net

2 de maio de 2011

Mãezinha


Os teus olhos, ó mãezinha,
São brilhantes, mais que o céu!
Quanta inveja o Sol sustenta
Num olhar teu!

As tuas mãos, ó mãezinha,
São ternura e dão calor!
Se me embalas, em teu peito
Respiro amor!

Teu sorriso, ó mãezinha,
Minha vida ilumina!
Meu caminho, junto a ti
É doce sina!

Os meus versos, ó mãezinha,
São amor, mais que trovar!
Sou feliz por ter-te minha
E a ti cantar:

Mãezinha, ó meu amor!
Mãezinha, dom do Senhor!
Fica comigo por toda a vida!

Reedição
Foto: Google Imagens