13 de abril de 2020

Sétimo aniversário do "Amanhecer pelo fim da tarde"!



"Reverso do tempo

As páginas revolvem-se, impacientes,
quando sentem distante o calor dos dedos,
eternos prisioneiros da pena.

Passam-se tantas coisas nos intervalos dos dias!

Pautam-se incontáveis linhas
no recôndito das manhãs
e, a cada momento, quais campainhas desafinadas,
as palavras ainda não escritas ecoam nos ouvidos,
teimosas, suplicando a sua afirmação.

Percorridos os minutos,
ébrios de todo e cada segundo já sorvidos,
em catadupa,
até ao sobressalto da frase capaz de traduzi-los,
eis se revelam,
em redemoinhos de letras,
gota a gota,
sobre a brancura inocente.

Na confusão das emoções,
pressentidas, mas jamais ressentidas,
as linhas preenchem-se, construindo-se
na sombra das que as precederam,
já saciadas de tempo!

Presente, só aquele instante,
distraído de sua plenitude,
no verso da página gravada de véspera… "

Joaquim do Carmo
Reeditado de "Amanhecer pelo fim da tarde", Abril de 2013

5 de abril de 2020

"Uma beleza que nos pertence"


"... Só quem nos ama é capaz de ver-nos como realmente somos:
esta mistura apaixonada e contraditória,
esta aventura conseguida e, ainda assim, inacabada,
esta pulsão de nervos e alma,
de opacidade e vislumbre."

José Tolentino Mendonça in "Uma beleza que nos pertence"

24 de janeiro de 2020

Quadras de ontem



Passeei minhas letras, alegre, ao acaso
Nas ruas que os seus olhos doces iluminam,
Brinquei com as palavras já fora de prazo,
Sem sucesso, tentei saber o que me ensinam!

A sonhei primavera, flor cheirosa e pura
De cores tão brilhantes que meus olhos fascinam!
Bebi, de seus beijos, a indelével doçura,
Senti, quão suaves, mãos que me acariciam!

Descansei meus dedos, após tal caminhada,
Pelos seus cabelos soltos, livres, ao vento,
Incansáveis viajantes na infinda jornada,
Firmes sentinelas junto ao seu pensamento!

Sorri desperto à lua, sempre vigilante,
Fiel testemunha do nosso eterno amor
E, por entre as estrelas, caminho adiante,
Pressenti, assustado, pressuroso alvor!

Bem quis então ficar, qual amante perdido
Rendido às carícias da amada, eternamente
Nessa louca viagem, roteiro fingido
Que hoje, amargos dias, a vida só desmente;

Aprender, da verdade, pelas entrelinhas,
As palavras certas, com sílabas perfeitas,
P’ra poder descrever tais momentos, as minhas
Emoções e alegrias, sem dor nem suspeitas;

Tal sonho, porém, novo dia interrompeu,
Com o sol a mentir-me através da janela:
Nem o quente sorriso, sua luz me deu,
Nem voz macia, a sua, me trouxe com ela!

Só me deixou saudade de auroras distantes,
A tristeza da ausência e solidão sentidas,
Um silêncio que é grito ingente quanto antes
Eram melodias de paixão preenchidas!

Joaquim do Carmo
© (direitos reservados)
Imagem: Pintura de Nadir Afonso